Água suja não pode ser lavada. O provérbio africano, mencionado pelo professor Armando Mendes na abertura do seminário internacional "Problemática do uso local e global da água da Amazônia", se aplica bem à região, onde a ação do homem nos recursos hídricos tem provocado danos irreparáveis principalmente às populações locais.
No plano internacional, a escassez de água é a mais recente preocupação, sendo percebida e anunciada como verdadeira catástrofe mundial, como afirmou a pesquisadora Bertha Becker, do departamento de Geografia da UFRJ. "A água está rareando em todo planeta, a ponto de lhe serem atribuídos um valor similar ao do petróleo no século XX", disse. Enquanto em diferentes partes do mundo, experiências alternativas buscam solucionar a questão da escassez, como as 7.500 usinas de dessalinização em operação, o Brasil detém 18% das reservas de água doce do planeta. A maior parte destas águas está concentrada na Amazônia. Se não há escassez na região, as águas, nem por isso, chegam aos lares de todos os amazônidas.
E nem tampouco estão livres da contaminação por arsênio, cromo, chumbo e mercúrio. Debates - Durante cinco dias, de 9 a 13 de março, pesquisadores de universidades e institutos de ciência e tecnologia da Pan-Amazônia, estiveram reunidos no auditório do Beira-Rio Hotel, para discutir o uso e a geopolítica das águas, identificando elementos para a formulação de políticas. Coordenado pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, o seminário internacional fechou as comemorações pelos seus 30 anos.e se tornou o marco do Programa de Cooperação Sul-Sul.
A sessão de encerramento contou com a presença do ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral. Em oito painéis, cada um com um expositor e dois debatedores, foram apresentados estudos sobre a poluição dos recursos hídricos, a importância para a navegação, os fatores determinantes da construção de hidrelétricas , a inserção da Amazônia na geopolítica da água, a legislação e os sistemas institucionais de gestão dos recursos hídricos e a cooperação amazônica para o uso sustentável destes recursos. O seminário refletiu sobre o divórcio entre os grandes projetos e o desenvolvimento regional, como no caso da construção da usina hidrelétrica de Tucuruí.
"Em 1975, providências para o aproveitamento dos potenciais da região Norte ganharam efetividade, só que não em benefício de seu povo e sim para dar suporte aos empreendimentos mínero-metalúrgico de altíssima demanda energética", expôs o cientista José Roberto da Costa Machado, da Universidade Federal do Amazonas.
O professor e pesquisador Camilo Dominguez, da Universidade Nacional da Colômbia, mostrou seus estudos sobre a navegabilidade nas três principais bacias hidrográficas da Amazônia, formadas pelos rios Amazonas, Orenoco e Guianas. Criticou a construção de barragens sobre os rios amazônicos, por se constituírem em intervenções controvertidas com graves conseqüências sobre ecossistemas e comunidades indígenas e de colonos que vivem nas áreas inundadas.
O coordenador do Naea, professor Luis Aragon, ao falar sobre cooperação amazônica e uso da água, considerou "indecente que, em pleno século XXI, milhões de pessoas não tenham acesso à água realmente potável e que tantas crianças deixem de sobreviver por falta de água ou por consumo de um produto contaminado".
Matheus Otterloo, coordenador da FASE no Pará, falou ao Fase Notícias sobre a Semana da Água. Ele representou a instituição em debates que também contaram com entidades como o Fórum da Amazônia Oriental, o Centro de Estudos e Práticas de Educação Popular, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e Caritas. Entre os muitos riscos para a sobrevivência da bacia Amazônica, Matheus destaca o uso dos rios para produção de energia elétrica.
“Estamos muito preocupados com a questão da energia. Ficou claro que existe um plano decenal de energia para o Brasil. Nesse plano, os rios da Amazônia são vistos como fonte de energia barata. Estão planejando dezenas de usinas hidrelétricas para a região”, diz ele. A usina de Belomonte é apenas a parte já visível de um projeto que vai fazer muito mal à Amazônia e possivelmente colocará em risco a sustentação dos recursos hídricos na região do Brasil mais abundante em água doce subterrânea.
O coordenador da FASE relatou que estudiosos da Universidade Federal do Pará trouxeram um interessante estudo aos debates da Semana da Água. Segundo os pesquisadores, países ricos que já vivem o começo de uma crise de escassez de água estão dispostos a pagar por água do Brasil e outros países abundantes em água doce. Uma vez que poluíram para sempre suas fontes de água com industrialização massiva, passariam a dispor da fonte alheia. “Daqui a seis anos navios poderão estar nos rios da Amazônia levando água para fora do Brasil, segundo estes pesquisadores”, diz Matheus.
Talvez a previsão soe absurda para uma sociedade acostumada a ter água à vontade, a ponto de desperdiçá-la como é usual nas cidades brasileiras. Mas é preciso saber que, assim como o petróleo mobiliza guerras porque a sociedade dos Estados Unidos não concorda em usar menos automóveis, no caso da água já está em ação um plano de transformá-la em uma mercadoria como qualquer outra. Se os países aceitarem isso, estará aberto o caminho para estes funestos navios de expropriação dos recursos hídricos públicos brasileiros.
Falar em uma nova cultura relacionada à água significa propor todo um novo modelo de gestão que jamais aceite fazer dos recursos hídricos uma mercadoria. Mais especificamente, significa dar um freio ao abuso cometido pelos grandes agricultores: somente eles, com a irrigação intensiva, usam cerca de 70% da água doce do planeta. O consumo humano, segundo a ONU, representa apenas 18% do total. É por isso que as organizações sociais de todo o mundo apontam a necessidade de controlar o uso industrial e agrícola, conter a poluição de rios e nunca aceitar que a água vire mercadoria.
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